terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Opressão e vingança do povo negro

Grande parte dos ritmos musicais, em especial os de maior apelo popular, têm raiz negra: o rock'n'roll, o blues, o jazz, a soul music, o rhythm and blues, o rap, hip hop, o reggae, a disco music; no Brasil destacam-se o samba, o axé, o pagode, o funk; todos nasceram da lamúria do povo negro que, oprimido durante séculos, encontrava na música, na arte e na dança a sua forma de expressar o sofrimento e tentar manter vivas as suas origens africanas.


"A simbolização do negro africano
Recorda o manto, hargalo de dor
O negro batendo na palma da mão este canto
Este canto é a sua origem e cintila a cor
(...)

O negro se farta do fruto da sua beleza
Atribui-se também a ele esta sua grandeza
Ilê Ayê

Sendo a própria razão, que a razão não pode explicar
Ecoa-se até o firmamento este nosso cantar"
('Canto da cor', Banda Reflexus)


A implantação da escravidão negra, pode-se dizer, foi quase um tiro no pé, nos Estados Unidos e no Brasil. O preço de poder contar com mão de obra ágil e gratuita foi ter que lidar com a marginalidade, que gerou os problemas que até hoje preocupam os governos e exigem deles enormes gastos e investimentos, como a violência e o tráfico de drogas. Curiosamente, deste mesmo setor em que brotam os gérmens de várias mazelas sociais, provêm também os estilos e as personalidades que ditam as regras da cena cultural do país todo.

Nos Estados Unidos, um dos países onde mais se sente a discriminação e segregação racial até os dias atuais, a escravidão foi extinta durante a Guerra Civil dos anos 1860. Liberdade, porém, não é garantia de felicidade, pois os negros, sem ter para onde ir ou que fazer para alcançarem qualidade de vida similar à da maioria branca, amontoaram-se nas periferias, formando gangues, traficando drogas e roubando carros para sobreviver. Contavam seus dramas através do rap, até descobrirem que podiam também ganhar dinheiro com isso. 

Então, cerca de 130 anos depois do fim da escravidão, o gangsta rap domina as paradas musicais dos EUA, rappers como Tupac (na costa oeste) e Notorius B.I.G. (na costa leste) vendem milhões de cópias e convertem-se em heróis do povo negro, com suas letras que falam sobre a vida na periferia e as dificuldades dos negros que precisam recorrer ao estilo de vida ilícito para conquistar algum dinheiro e respeito. Em "Fuck tha police", o grupo N.W.A. (abreviação para "Niggas with attitude"'; em tradução livre: "Pretos com atitude" - vale dizer que a expressão "nigga", em inglês, é de cunho extremamente racista e pejorativo) pragueja contra a força policial que perseguia negros de classe baixa de forma generalizada ("O jovem negro se fode porque é escuro, e não da outra cor, então a polícia acha que tem autoridade para matar a minoria / Fodam-se, pois não serei o único a ser pego por estes safados que andam com um distintivo e uma arma / Querem me ferrar porque sou jovem e tenho um pouco de ouro e um pager, olham no meu carro, procurando algum produto, pensam que todo negro vende narcóticos"). É um verdadeiro protesto negro contra o preconceito difundido em uma instituição cuja finalidade era justamente reprimir esta parcela da população. Há de se convir que, em grande parte dos casos, a suspeita policial era justificável, se se constatar que a ascensão financeira dos negros das periferias americanas coincidia com sua ingressão no mundo da criminalidade.

No filme de 2009 que conta a história da vida de Notorius B.I.G., há uma cena em que vemo-los junto a Tupac (em uma época em que os dois ainda não eram inimigos) dizendo coisas do tipo: "Hoje temos milhões de dólares, vendemos milhões de álbuns, e pagamos nossas putas com o dinheiro de vocês". Desde então, o hip hop divide o trono da cena musical com o pop até os dias atuais, e a mesma classe média e alta branca que segregava os negros no século passado, hoje alimenta suas popularidades e consome suas músicas. 

"Casa de Negros", litografia colorida a mão de
Johann Moritz Rugendas
No Brasil, não foi diferente. Negros africanos, juntamente com índios nativos, foram feitos de escravos desde o período colonial até o fim do período imperial. "Libertados" pela Lei Áurea, assinada em 1888 (o que fez do Brasil o último país independente da América a abolir a escravidão), a alforria não lhes trouxe inclusivamente condições de estabelecerem-se de forma digna. É verdade que muito já foi conquistado, mas ainda hoje, vemos nas favelas de grandes cidades como Salvador e Rio de Janeiro o semblante de um povo que foi tirado à força de sua pátria e jogado em uma terra desconhecida para ser feito de joguete. Desamarrada a corda, as marionetes não tinham como saber o que fazer. 

Cena do último episódio da novela brasileira "Sinhá Moça", mostrando o momento
da libertação dos escravos negros, estampada com a frase: "E de tudo que plantaram, nada lhes restou... Nem da terra, nem dos frutos. Apenas a liberdade"

Como reflexo desta realidade, vemos as grandes organizações criminosas nas favelas, o tráfico de drogas, a violência. Sem dúvida, a análise mais interessante é a da traficância, que segue a mesma regra do hip hop americano descrito acima e gerou o enredo do filme de enorme sucesso "Tropa de Elite 1": os negros e pobres das favelas elaboram os esquemas de vendas de drogas, que por sua vez, são sustentados pelos vícios dos brancos da classe média. 


O personagem Capitão Nascimento, do filme "Tropa de Elite 1", dizendo a um usuário de drogas da classe média carioca: "Você, que compra a droga, é quem financia o tráfico no morro"

Até parece que a história segue sempre o mesmo ritmo: um pequeno e poderoso grupo tiraniza e abusa de uma maioria fraca, que dá o troco fazendo seus opressores de reféns.

O fato é que, como muitíssimo bem pontua Eduardo Galeano em seu clássico "As veias abertas da América Latina", e como ilustra a triste e bela canção "Cidadão", de Zé Geraldo ("Pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer / (...) Hoje o homem criou asas, e na maioria das casas, eu também não posso entrar"), as pessoas cujas mãos são responsáveis pela edificação das nações não se beneficiam das coisas que elas próprias constroem. 


"Holanda, França - estimulam a competição entre o cacau africano e o que Brasil e Equador produzem, para comer chocolate mais barato. Provocam, assim, dispondo como dispõem dos preços, períodos de depressão que lançam nas estradas os trabalhadores que o cacau expulsa. Os desempregados procuram árvores para sob elas dormir e bananas verdes para enganar a fome: não comem, certamente, os finos chocolates europeus que o Brasil, terceiro produtor mundial de cacau, importa incrivelmente da França e da Suíça."
(Galeano, em 'As veias abertas da América Latina',  Primeira Parte, capítulo II)


"Apartheid" no Carnaval baiano
Agora, em época de Carnaval, especialmente na Bahia, notamos um peculiar viés desta disparidade. A festa popular que outrora era palco de expressão da cultura baiana, que é essencialmente africana, não dá espaço aos baianos e negros para brincarem e gozarem. O Carnaval da Bahia elitizou-se, virou objeto de comércio, chamariz de mídia, isca para turistas. Quem hoje comanda a festa dirigida aos ricos esquece-se que ela só surgiu por causa dos pobres. A Doutora Marília Lomanto Veloso chegou a descrever a situação como "seletividade em uma ilha de brancos cercada por uma corda de negras", chamando o Carnaval baiano de apartheid, em artigo escrito a respeito (http://www.gerivaldoneiva.com/2009/02/noticias-do-carnaval-de-salvador.html). 


"O folião está ficando de fora e eu acho que nós, artistas, é que temos muito a ver com isso porque a gente inverteu um pouco a lógica da coisa. O Carnaval da Bahia só virou o que virou porque a gente tocava para o folião, para o povo. E povo, ainda demagogicamente falando, não é povo sem corda, não: é povo de bloco. E hoje não se toca mais para isso. Hoje se toca para camarote, para a mídia, você toca para onde tem câmera de televisão, onde tem o site mais importante, então, o carnaval mudou o foco. Nós que fazemos a festa não estamos mais preocupados em agradar quem nos acompanhava." (Cantor Ricardo Chaves, em entrevista ao site Bahia Notícias: http://www.bahianoticias.com.br/holofote/entrevista/145-ricardo-chaves-convoca-artistas-a-repensarem-o-carnaval-e-diz-que-sempre-sofreu-preconceito.html

Os baianos pobres retrucam a sua exclusão e discriminação com violência e hostilidade. Em todo Carnaval, vemos lamentáveis cenas de pancadaria nas chamadas "pipocas" (alas em que ficam os foliões não participantes dos grandes blocos carnavalescos), que culminam em prisões em massa. 

O negro transforma-se em algoz após cansar de ser vítima. Explorado por séculos a fio,  revolta-se contra o sistema que nega-lhe o direito de viver tão bem quanto aqueles para os quais trabalhou. 

"Pois o sangue desses negros
Derramavam na terra
Para que os senhores passassem
Um tipo de vida melhor"
('Serpente negra', Banda Reflexus)

Hoje, sofremos com o desencadeamento da subjugação à qual os negros foram submetidos, e ao mesmo tempo, saciamo-nos com a cultura e lazer cujas fontes muitas vezes remetem-nos à própria história deles. O negro continua constituindo a força das nações, atuando na base das pirâmides sociais, e fornecendo o entretenimento (ou o ópio) de quem está no topo. Muitos conseguem, assim, ascender socialmente. Outros, irresignados, não conseguem, e atacam da forma que podem: cometendo crimes, para garantirem suas próprias vidas ou a morte de quem os incomoda.

Violência e crueldade não se justificam; todavia, é também importante procurar saber o que há por trás das chagas da sociedade antes de apontarmos o dedo. A origem dos problemas de toda sociedade está quase sempre na origem da própria sociedade. Os negros foram trazidos ao Brasil como objetos, e por centenas de anos foram tratados assim. É de se esperar que, quando finalmente fossem "alçados ao patamar de seres humanos", ficassem desnorteados. O resultado, trágico, é o que dissemos ao longo de todo o texto. Eis um panorama que já é relativamente menos pesaroso que antigamente, mas ainda pouco satisfatório, pois assim como levou tempo para a escravidão ser abolida (em termos legais; haja visto que, na realidade fática, ainda encontramos resquícios dela), ainda vai levar algum tempo para as consequências dela serem convalescidas, ou ao menos, amenizadas.





"Muita fé, muita coragem
Tanta garra, quanto amor
Pra trazer toda a justiça
Que o negro tanto sonhou"
('Chicote não', Banda Reflexus)

O único e grande amor de sua vida

Ele pensa que só aprecia a companhia das pessoas na medida em que elas se fazem úteis para ele, mas a verdade é que, na prática, ele não ama ninguém além de si próprio. Só ama estas poucas pessoas que ama porque considera-as uma extensão de si mesmo, só tolera a presença delas porque sabe que com elas não é preciso deixar de ser ele mesmo.  

Estar acompanhado é renunciar a uma parcela do seu eu, e isto ele não suporta. Amar também é anular-se um pouco (é "tirar férias de si", como canta Paula Toller, em lógica inversa, em "Da lama à pista", do Kid Abelha), e isto ele não quer. Ele só quer a si próprio, ele só quer o seu 'eu',  e só gosta ou solicita a presença de outras pessoas quando elas não vão obrigá-lo a deixar de ser o que é; e até evita o contato com muita gente para não perder o contato consigo mesmo.

Dizem que o nosso primeiro e último amor é o amor próprio. No caso dele, deve ser também o único. E eu não sei dizer até que ponto ele está certo ou errado.

Disponibilidade e manipulação

Estar disponível é colocar a própria vida sob o controle de outra pessoa. Quem se amostra livre está ofertando a outrem a própria liberdade, para que ele a use da forma que quiser. A chave da manipulação está na disponibilidade da pessoa a ser manipulada: se não faz questão de assumir as rédeas das situações que ela mesma vivencia, não há qualquer empecilho para que outra pessoa assuma.

É preciso ocupar nosso tempo, nossa mente, nossa rotina, nossa vida. É preciso traçar planos para si próprio e saber dizer não. Quem nos vê sempre desimpedidos, pode ver em nós uma oportunidade de usar-nos a seu favor. É preciso ter opinião própria para não precisar comprar opinião pronta; é demasiado alto o preço a ser pago. É preciso ter vida própria para não precisar buscar nos catálogos e nas vizinhanças um sentido na vida.

Infelizmente, é constatável que neste mundo há uma luta egoística pelo controle de coisas e pessoas, e salve-se quem puder. Para que os impérios se ergam, uns precisam subjugar outros para atuarem em seu benefício. Mas quem quiser ser dono do império da sua própria vida precisa estar no comando da própria consciência e preencher com sabedoria o espaço do próprio tempo, pois deixar ambos vazios é o mesmo que entregá-los de graça a qualquer um que queira ou precise deles para edificar seus ideais - que nem sempre são nobres. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Provas de amor

Você dá tanto valor a certas coisas, sem pensar que para mim não há custo nenhum em fazê-las. Preferiria ser reconhecida por aquilo que realmente exige sacrifício da minha parte. Provas de amor só provam o amor quando é preciso abrir mão de coisas realmente importantes. Se o preço a ser pago não é tão alto, então não há do que se vangloriar. 

Portanto, se quer mesmo medir a intensidade do meu amor, analise o tamanho da minha renúncia. Procure saber quantas coisas eu realmente gosto e preciso abdicar por sua causa. Não julgue as minhas demonstrações pelos seus parâmetros, pois somos diferentes. Aprecio tudo que faz por mim, mas se quiser julgar o que faço por você, é melhor me conhecer melhor. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O valor de uma vida

(texto de minha autoria, escrito em julho de 2009, para o jornal Público Extra)


                        25 de junho de 2009: Michael Jackson, artista que marcou a história da música pop e da indústria do showbiz, falece. 30 de junho de 2009: um avião carregando 153 pessoas cai no Oceano Índico e deixa apenas uma sobrevivente, uma garota de 14 anos. 07 de julho de 2009: o número de mortos por gripe suína chega a 440, em 137 países.
            Em um período de menos de um mês, estes três fatos, dentre tantos que vemos diariamente, se destacam por noticiarem tragédias envolvendo a vida humana. A vida, este bem que, tanto na natureza de cada ser humano como até mesmo na lei, é colocado no topo da pirâmide dos bens mais preciosos.
            A morte de Michael chocou e emocionou o mundo. Seu carisma, talento e indiscutível sucesso fizeram dele um ídolo de mais de uma geração, e tamanha popularidade é o motivo pelo qual sua partida tem sido ainda mais dolorosa para todos que o amam. Michael é uma estrela. E a garota que sobreviveu à queda do avião? Não a conhecemos. E as mais de 400 pessoas mortas por gripe suína? Não sabemos os nomes de todas elas, tampouco nos importa saber. São pessoas que morreram. Pessoas morrem todos os dias, é comum, é a lei da vida: todos nós nascemos, crescemos e morremos. Que diferença faz? Temos nós realmente noção de qual é o valor de uma vida?
            Estamos tão acostumados, desde sempre, a presenciarmos situações em que a vida humana é colocada em risco, que tais acontecimentos mal nos comovem, são apenas notícias, estatísticas. O escritor Ronaldo Coelho Teixeira é perfeito ao enfatizar, em uma crônica entitulada "Quando o susto nos falta", o quanto estamos imunes ao sofrimento pelas tragédias da vida alheia: "Tragédias? Catástrofes? Guerras? Quem se importa? Almoçamos e jantamos essas desgraças na TV, anestesiados à miséria do outro, agora, apenas um dado, um número, um objeto distante, inacessível e desinteressante."
            Nem mesmo se sabe dizer de quem é a culpa: as circunstâncias da vida nos tornam assim; em especial as pessoas da atual geração, como eu. Logo na adolescência, ao estudarmos História, nossos livros didáticos apontam números de oito dígitos contabilizando as mortes das Guerras Mundiais; na televisão, somos bombardeados com flashes e reportagens de todos os tipos de acidentes e escândalos... Enfim, é o nosso dia a dia. Crescemos assim. As gerações anteriores, que provavelmente já foram mais sensíveis a estes tipos de acontecimentos, também devem ter se endurecido, com o passar do tempo; é uma questão de sobrevivência: ou se tornam um pouco mais apáticos ou, caso contrário, mal conseguem conviver com tanta preocupação. 
            De início, não nos condoemos com a miséria vista nos noticiários. Logo depois, não conseguimos nos comover com a tristeza de um conhecido. Por fim, a dor está dentro de nossa casa ou de nosso círculo de amizades, afetando pessoas queridas, e aqui estamos nós, incapazes de compreender essas dores.
            Todavia, mais triste que presenciar tantas lástimas é não compadecer-se delas. O fato de que a tragédia está em todos os lugares não pode justificar a insensibilidade; aliás, até pode. Nós é que não podemos nos acomodar com esta justificativa. Não podemos nos alienar.
            Quando ouvimos falar de alguém que morreu, principalmente quando se trata de um desconhecido, não paramos para pensar no que significa o fim desta vida. Somos humanos, somos mortais e, imperfeitos que também somos, não fazemos idéia de quanto vale uma vida.
            Algo incrivelmente marcante a respeito do famoso livro "O diário de Anne Frank", que mostra os escritos de uma adolescente judia que morava escondida com a família na Alemanha da Segunda Guerra Mundial, é justamente seu fim (que aqui será contado sem prejuízo para os que não leram o livro, afinal, é fato sabido que a jovem foi morta): nas últimas páginas, notamos Anne Frank muito reflexiva e, em alguns momentos, até contente. Ela descreve sua vida, seus desejos, seus planos... Até que, na última página, há algumas linhas explicando que Anne e sua família foram encontrados, e a jovem vem a falecer num campo de concentração. O choque é grande. Em um momento, ela se revela um ser humano sonhador e emotivo; pouco depois, está morta.
            Eis a razão de o livro trazer tantos amontoados de escritos cujas menções podem até ser consideradas desnecessárias para o leitor. A intenção é perceber a pessoa de Anne Frank, a menina, a mulher, a sonhadora. Quando os policiais nazistas prendem a família Frank e seus companheiros, não prendem somente seres vivos. Quando Anne morre no campo de concentração, quem morre não é apenas um corpo, um pedaço de carne: é Anne Frank, uma jovem, uma pessoa cheia de planos, um ser humano, com alma, sentimentos. Quando olhamos por esta ótica, podemos ter alguma idéia de qual é o valor de uma vida.       

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cabeça vazia, ...


"Tudo fora de controle, e o controle da TV me controlando
Eu que então pensava que me controlava, tava ali descontrolando...

E se parasse um pouco, não perderia nada
E ajudaria a cabeça, sempre alienada..."
('Fora de controle', Tianastácia)



Uma voz ressonando na cabeça, dizendo que você quer mais do que tem. Estímulos de ilusão do mundo encontrando eco no seu espírito. Utopias e sonhos impossíveis sendo vendidos, e você tirando a carteira do bolso para verificar se pode comprar. Tempo, espaço, oportunidade, tudo perdido com essa sua análise de fantasias. 

Era para ser apenas entretenimento, mas é claro que eles vão sempre tentar te persuadir de que pode ser real. Vão fazer você pensar que sua vida é patética, vão te mostrar um mundo de sonho, um universo de maravilhas que na verdade nem existe. 

Cuidado. Você sabe de todo o mérito que há em pensar por si próprio, então não caia nas armadilhas de quem domina esse método tanto quanto você. Não seja uma presa dos seus próprios ideais. Preste atenção: eles vão fazer você se questionar, vão fazer você olhar para tudo à sua volta e achar que é pouco. Vão dizer que você se acomodou, vão te seduzir com promessas de todo o 'mais' que, segundo eles, você merece.

Não se iluda. Sair da zona de conforto é bom, mas estagnar-se na insatisfação, vendo defeitos e deixando de ver perspectivas em tudo, vai te levar à loucura.

Mantenha o equilíbrio. Não é o mundo que está rodopiando, é só você que está zonzo. 

Parece bronca de mãe, mas o fato é que às vezes, tudo que precisamos é voltar à rotina e fazer bem aquilo que precisa ser feito. E, talvez até, deixar de deixar espaço para tantas ideias loucas borbulharem na nossa mente. 


Mudar é preciso; abrir a mente para novas concepções é não somente uma questão de sabedoria, mas também de sobrevivência; todavia, contentar-se com o que já existe nem sempre significa pensar pequeno ou ter pouca ambição. 


Em excesso, qualquer aspiração nobre vira paranoia: achar que nada está bom, achar que tudo está bom demais; não ousar lutar por mais, não ser prudente ao lutar para deixar de ser menos. 


Eles vão achar argumentos para tudo e qualquer coisa de que queiram te convencer. Vão transformar sua vida inteira sem tocarem em nenhum aspecto dela além de você próprio, desde que você deixe.


Ninguém irá te forçar, mas eles irão fazer todo o possível para te arrebanhar. Cuide bem de seus trunfos, suas conquistas, seu direito de raciocinar, sua faculdade de decidir.  São as únicas coisas que só podem ser tiradas de você com sua permissão. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sentimentos não são exigíveis

Todos sabemos que "não se manda nos próprios sentimentos" e que "o coração tem suas próprias vontades"... São frases que adoramos repetir. Estão por aí, sempre nas letras das canções e nos roteiros das novelas. Acabamos absorvendo estas coisas: saímos repetindo-as para os outros, porém, no dia a dia de nossos relacionamentos, exigimos deles coisas que vão completamente de encontro com estes chavões.

Se o sentimento é, de fato, algo espontâneo, por que o exigimos? Por que impomos às pessoas que devem respeitar-nos, amar-nos ou confiar em nós? 

Parece tão lógico que chega a ser ridícula a nossa atitude: ora, sentimento é algo que não se pode exigir. Amor, confiança, respeito, carinho, admiração, não são coisas que brotam em nós conforme nos são reclamados.  

Amor não se cobra. Confiança não se exige. Admiração não se pede. O que se pode pedir é o bom trato, as boas maneiras, a cordialidade, a tolerância, pois estas sim são características que dizem respeito às aparências, ao comportamento, à ação, e não à emoção

A lógica da questão não é tão complexa: sentimento é algo que se sente, e como tal, não pode ser manipulado. Controla-se a manifestação do que se sente, mas não o sentimento em si. É possível instigar, estimular, tentar produzir uma sensação em alguém, mas ainda assim, a forma como o indivíduo reagirá é indefinível, posto que dependerá de um bilhão de fatores.

A forma como sentimos as coisas está intimamente relacionada com as nossas vivências e nossa própria natureza, da qual sequer temos completa noção. Como, então, manipular os sentimentos? Não possuímos botões para acioná-los sempre que desejado ou preciso. Simplesmente os sentimos. E quando descobrimos estes sentimentos dentro de nós, é porque foram construídos, gradativamente, com base em atitudes, gestos, convivências, experiências.

Disto se conclui que ao nosso alcance está somente a conquista do sentimento. O processo é o mesmo para todo anelo: para tudo que se quer é necessário fazer por merecer; lançar as sementes e esperar que nasça; batalhar e aguardar que venha. A virtude nos é atribuída conforme demonstramos que somos dignos dela. 

As pessoas observam nossos trejeitos, a sociedade responde aos nossos atos; mesmo de forma pouco consciente, os indivíduos vão concebendo, pouco a pouco, a ideia de como somos, e reagem a esta ideia, cultivando em si o sentimento que excitamos neles.

Costumamos nos fazer de vítimas, acusando a tudo e a todos de não nos compreenderem, reclamando constantemente que não somos levados a sério, confrontando o ser amado que não nos ama conforme gostaríamos de ser amados. Mas vale pensar: se estivéssemos no lugar das pessoas às quais fazemos tantas imputações, será que sentiríamos aquilo que tanto cobramos? 

Só se deposita confiança em que se amostra confiável; só se elogia quem se faz merecedor de elogios; só se respeita quem faz jus ao respeito. São conquistas; porque o sentimento é isto mesmo: uma conquista, e não uma obrigação que se impõe.

Com paciência e maturidade, aprendemos que o reconhecimento chega para os que fazem algo que merece ser reconhecido, assim como a vitória não vem para quem não luta. É a lei de ação e reação. Bradar pelo que se quer e esperar ser atendido é empreitada infrutífera para quem não molda seu comportamento de modo a fazer-se digno do pedido. 




"Existe uma ciência de cultivar a amizade e construir o entendimento. Como acontece ao trigo, no campo espiritual do amor, não será possível colher sem semear. 



Examina, pois, diariamente, a tua lavoura afetiva. Observa se estás exigindo flores prematuras ou frutos antecipados. Não te esqueças da atenção, do adubo, do irrigador. Coloca-te na posição da planta em jardim alheio e, reparando os cuidados que exiges, não desdenhes resgatar as tuas dívidas de amor para com os outros. 

Imita o lavrador prudente e devotado, se desejas atingir a colheita de grandes e precisos resultados."

(Emmanuel, "Amizade e compreensão", lição 121 do livro "Vinha de Luz", psicografado por Francisco Cândido Xavier)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O que nos impede de sermos quem realmente queremos ser?

(Quinn Fabray, personagem de Dianna Agron em Glee, no 11º episódio da 3ª temporada)








Embora saibamos quais são as coisas que queremos, muitas vezes não sabemos qual a pessoa que queremos ser. É uma reflexão de grande importância, pois é possível que alguns de nossos desejos não sejam compatíveis com o nosso projeto de ser humano.

Porém, a reflexão não para por aí. Ser quem você quer ser nem sempre se trata apenas de encarnar o personagem, vestir a camisa e passar a agir como o seu alter ego, na expectativa de que, com o tempo, você se converta nele e deixe para trás aquele 'eu' do qual você não se orgulha tanto. Por vezes, há circunstâncias em nossas vidas que atrapalham o nosso propósito. 

E aí vêm as perguntas nas quais hoje despertei pensando: o que é que nos impede de sermos quem realmente queremos ser? Quais fatores mais dificultam a concretização de nosso planos: os externos ou os que provêm de nós mesmos? Como lidar com estes empecilhos? É preciso abandonar um determinado contexto para começar a colocar em prática algum projeto? Ou é possível obter sucesso mesmo estando em uma situação que insiste em nos compelir a continuar sendo como somos?

Lembro-me de uma pessoa conhecida que foi embora do Brasil. Ela dizia: "Preciso ir para outro lugar, aqui eu nunca vou conseguir ser o que quero, fazer o que pretendo". Na época, apesar de ter ficado feliz pela animação da pessoa, eu julguei que ela estava indo embora pelos motivos errados. Acreditava que não era preciso sair do país para fazer com que tudo fosse diferente. Hoje, muitos anos depois, ainda não sei se posso julgá-la. De fato, o elemento externo pode sim dificultar muitas coisas, pois há coisas que não se pode mudar (ou ao menos não tanto quanto seria necessário para o êxito de nossas metas). De outra plana, também não se pode negar que com boa vontade e determinação é possível transformar a própria vida sem necessariamente mudar-se do local em que você vive. Contudo, a questão é: como identificar qual a alternativa em que nos encaixamos?

Também conheço pessoas que se encontravam inseridas em um contexto no qual a sociedade, as tradições, a cultura e todas as demais peculiaridades daquele local e das pessoas que nele viviam, insistiam em empurrá-las para um estilo de vida oposto daquilo que elas almejavam para si mesmas; e, ainda assim, elas conseguiram fazer a diferença - talvez não de uma maneira revolucionária ou completa, mas naqueles casos, mesmo pequenas conquistas já eram grandes vitórias. 

Há um preço caro a ser pago, seja qual for a opção que façamos. Todavia, é uma questão de escolha, e toda escolha implica em riscos e renúncias. Escolher é uma loteria: agimos com toda a intenção de dar certo e colher os frutos, mas às vezes pode dar errado.

Ainda com estes questionamentos na cabeça, deparo-me com uma frase da atleta Nicole Eccel no Facebook: "A diferença entre quem você é e quem você quer ser, é o que você faz". 

E cada vez mais me convenço de que o caminho é esse mesmo: atitude, sem que importe o local, o contexto, as pessoas ou as tradições. Seja na situação mais propícia ou na de maior descrença, nada vai mudar se não mudarmos nosso jeito de agir. Ainda que as condições sejam as piores, se extrairmos o conceito do plano ideológico e passarmos para o plano concreto, conseguiremos algum resultado - em condições favoráveis, então, conseguiremos resultados melhores ainda.

Creio que o pior remorso de todos é aquele que se funda na decepção para consigo próprio. E é por isto que, independentemente da situação em que estamos, é sempre recomendável que façamos tudo que estiver a nosso alcance. Afinal, não podemos nos culpar pelos fatores externos que se impuseram no meio de nossa caminhada, mas quanto à nossa própria postura, o sentimento de culpa não somente é possível como pode ser atordoante. 

Trata-se de uma decisão que, em algum momento de nossas vidas, precisará ser tomada: ou agimos e colocamos em prática os nossos planos, ou todas estas circunstâncias externas sobre as quais falei conseguirão nos transformar naquilo que elas querem. 

É preciso olhar para frente, aprender com os erros do passado e lutar pelo nosso futuro. Ele chegará, inevitavelmente; mas pode ser bem melhor, de acordo com o que fizermos no presente.

E uma observação final a quem ainda está estagnado sofrendo em razão do tempo perdido e das chances desperdiçadas: refletir sobre o que deu errado é importante para evitar incorrer nas mesmas faltas, mas uma vez feita a reflexão, é preciso partir para a ação; caso contrário, o tempo gasto com o martírio tornar-se-á mais tempo perdido e mais chances desperdiçadas.

Vou deixar, novamente, para a Quinn Fabray trazer a mensagem, e fechar este texto com chave de ouro:

"Eu passei tanto tempo me odiando pelos estúpidos erros que cometi, mas a verdade é que sem todos estes erros eu jamais haveria sonhado que esse é o meu futuro. Eu era a única pessoa me colocando no meio do meu próprio caminho. Você não pode mudar o passado, mas pode deixá-lo para trás e começar o seu futuro." (Glee 3x11)



Créditos dos gifs: http://leass-michele.tumblr.com 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Simplesmente amor

Decidiu que não mais se permitiria perder tempo e energia tentando convencer a sociedade acerca da veracidade e do significado do que havia entre eles. Não era preciso que se pintassem de alguma das únicas cores que o mundo enxergava: o amor deles tinha suas próprias cores. E quem tivesse olhos de ver, veria.

Reparou que, curiosamente, parara de escrever poesias quando se apercebera do quanto o amava. E concluiu que não era porque perdera o tino, mas sim, porque descobrira a insuficiência das palavras.

Deu-se conta do quanto era especial ter em sua vida algo tão especial, porque se tão especial era, não o era por apenas ser, mas por uma razão maior. E deduziu que tinham a missão de perpetuar aquela raridade, porque nada lhes fora dado sem propósito, e aquilo não podia se perder.

Porque se neles havia o que tão pouco se encontrava,
e se tão poucos reconheciam, mas os que o faziam se espelhavam,
e se tanto bem inspirava que na forma não se amoldava,
e se tudo era tão e tanto, que perto disto as palavras eram nada,
de que outra forma poderia descrever isto, ao não ser, simplesmente, que o amava?